Uma das discussões que constantemente surgem no processo de plantar igrejas é a questão do resultado. Deveremos ou não esperar crescimento de igreja? Não se trataria de pragmatismo humanista sonhar com o crescimento da igreja, afinal, a Palavra de Deus afirma “Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento”? (1 Co 3.6). Não é pretensão discutir crescimento de igreja quando isto é uma prerrogativa divina?
Outra tensão tem a ver com a autonomia da igreja que está sendo plantada. Deveremos estabelecer prazo para a execução de um determinado projeto, ou, já que isto se encontra na esfera do sagrado, tal preocupação não deveria existir? Planos e metas devem ser fixados ou não? Se prazos devem ser estabelecidos, quanto tempo seria ideal para que uma determinada comunidade encontrasse a sua maturidade espiritual e sua autonomia financeira?
Na Igreja Presbiteriana do Brasil, uma igreja é formalmente estabelecida quando alguns fundamentos se solidificam. “Uma comunidade de cristãos poderá ser organizada em igreja, somente quando oferecer garantias de estabilidade, não só quanto ao número de crentes professos, mas também quanto aos recursos pecuniários indispensáveis à manutenção regular de seus encargos, inclusive as causas gerais, e disponha de pessoas aptas para os cargos eletivos”[1] Portanto, uma comunidade será declarada “igreja” quando conseguir se firmar nestes princípios constitucionais: (a)- Estabilidade no número de membros; (b) - Condições financeiras; (c) - Liderança. Se um destes itens estiver ausente a igreja ainda não alcançou sua condição de independência.
Um ponto de vista que tem se tornado cada vez mais aceito, contudo, questiona pelo menos o mais controvertido destes itens que relaciona a maturidade da igreja às suas condições financeiras. Por exemplo, uma igreja não poderia ser “organizada”, mesmo que seus recursos fossem pequenos? Mesmo que fosse eternamente dependente de uma mesada do presbitério ou da igreja mãe? Considere a realidade de uma igreja que está crescendo, possui um grupo empolgado com o trabalho, mas que mesmo chegando a um número de fiéis superior a muitas igrejas em regiões mais prósperas, não terá recursos suficientes para se organizar, por estar numa região carente. Tal igreja deveria ou não ser “organizada”?
Pelo princípio constitucional acima, naturalmente não. Ela não atingiu sua condição financeira e nem encontrou as condições de auto manutenção, portanto deveria continuar sendo uma congregação.
Alguns líderes, porém, tem questionado este pressuposto. Para muitos deles, o importante não seria a condição financeira, mas sua vitalidade.
Definir vitalidade, porém, é uma tarefa que exige bastante cuidado. Quais seriam os sinais vitais de uma comunidade? Vitalidade é um termo relacionado à vida, quando falamos disto nos referimos a sinais de vida. Seria possível definir estes sinais ou é algo muito subjetivo?
ELEMENTOS DE VITALIDADE
1. A Igreja se encontra no plateau ou no declínio? Estima-se que cerca de 80% das igrejas existentes encontram-se nesta perigosa curva de nível. São igrejas estacionadas, tiveram avanços consideráveis num determinado momento de sua história, mas passam agora por um momento de estagnação espiritual. Para afirmar que determinada comunidade apresenta sinais de vida, é importante considerar que ela está avançando no seu crescimento, não se encontra estacionada. Se a realidade estatística acima estiver correta, 20% das igrejas existentes já não passariam no primeiro teste.
Não é muito difícil uma igreja se estagnar, tanto quanto ao seu número de membros quanto aos seus recursos. Ouvi o comentário de um presbítero de uma igreja no litoral sul de São Paulo que se sua igreja tivesse mantido os filhos na igreja, ela seria hoje 3 vezes maior do que é. Muitas igrejas, mesmo sem passar por fortes movimentos migratórios que poderiam justificar seu estado atual, decresceram significativamente quanto ao seu número de membros. A minha igreja de origem tem apenas 1/3 dos membros da época de minha mocidade, numa cidade de literalmente quadruplicou de habitantes nos últimos 25 anos.
A revista Time, de 5 de abril de 1993 trouxe algumas estatísticas intrigantes sobre as igrejas americanas. As principais igrejas estavam decrescendo em número entre 1965 e 1989. A Luterana declinou em 8%, a Metodista em 19%, a Igreja Unida e, 21%, a Igreja Episcopal em 29%, a Igreja Presbiteriana (PC-USA), em 32% e os Discípulos de Cristo em 45%.
Crescimento numérico é, sem dúvida alguma, um sinal de vitalidade. Igrejas saudáveis tendem a atrair as pessoas e a crescer em número, embora saibamos de igrejas com conteúdo teológico seriamente comprometido, que ainda assim cresce, por isto, outros fatores devem ser considerados.
2. A Igreja possui boa auto-estima? Muitas comunidades adoeceram no tempo, e passam a ter uma avaliação muito pessimista de si mesmas. Quando isto acontece, em geral buscam bodes expiatórios. Se as coisas não vão bem internamente é mais fácil acusar a Igreja-Mãe, que “não dá o apoio necessário”, ou justificar-se dizendo que “a instituição é muito fechada”, ou “muito controladora” na sua abordagem, e isto impede que os problemas reais sejam tratados.
Em geral, igrejas estagnadas possuem uma avaliação negativa de si mesmas, culpam o pastor, a instituição, o sistema, a localização, etc., mas isto não resolve a questão do “humor” do grupo, pelo contrário, torna-o mais acusador e reativo. Quando a igreja perde seu entusiasmo ou sua auto estima, este é um dos sinais de uma igreja sem vitalidade. Torna-se prisioneira de reclamações, não tem expectativa de algo novo que Deus possa provocar.
Uma forma bastante eficaz para superar esta síndrome é aprendendo a falar bem de sua própria comunidade. Quando as pessoas começam a comentar sobre o que está acontecendo, as pessoas de fora se sentem atraídas, e as que participam da igreja, encorajadas. Igrejas que crescem em geral estão felizes com seu estilo de ser igreja. Quando isto acontece as pessoas participam alegremente do culto, estão interessadas em fazer parte do seu ministério e contribuem com mais facilidade. Este sentimento de valor próprio é poderosíssimo para atrair outros, e sem dúvida é um dos sinais mais evidentes de vitalidade.
3. Tem havido conversões e restauração de pessoas? Num seminário de Revitalização de igreja que ministrei a um grupo de pastores, chegamos à conclusão que, obviamente, o fator mais importante para qualquer igreja é a obra do Espírito santo dentro dela, mas que do ponto de vista externo, nada é mais explosivo para a renovação de uma comunidade que uma conversão genuína dentro da comunidade. Quando uma pessoa se converte e é inserida num grupo estagnado, geralmente provoca uma série de reações no grupo. Uma conversão genuína traz alento, desafia, provoca positivamente novas atitudes, principalmente se aquela igreja por muitos anos não via esta manifestação na vida de sua igreja. Este processo é absolutamente maravilhoso e empolgante.
O mesmo se dá com a restauração de alguém. Uma pessoa distanciada do Evangelho que é despertada por Deus, se aproxima do grupo, com um novo fogo na alma, com sede e desejo profundo de conhecer e honrar a Deus tem a capacidade de estimular crentes amorfos e indiferentes e despertá-los para uma nova possibilidade espiritual.
Lovelace no seu clássico sobre Renovação Espiritual afirma que existem os elementos primários de renovação, que são a justificação, santificação, habitação do Espírito Santo e autoridade em conflitos espirituais e os elementos secundários como oração dependente, comunhão, integração teológica, desinculturação (termo criado por ele mesmo), e orientação para a missão. Ao tratar deste tema afirma que é muito fácil, tanto para indivíduos como para as igrejas “tornarem-se excessivamente devotados para sua espiritualidade pessoal e esquecer a evangelização, especialmente quando neste processo de alcançar outros é necessário tocar aqueles que nos contaminam”[2]. Que razão sociológica, uma igreja estruturada, organizada, com seus ministérios funcionando, teria para se envolver em atividades missionárias senão a explícita ordem de Jesus para alcançar todas as etnias? Apenas a obediência ao mandato cultura pode encorajar a igreja no seu avanço missionário.
“Muitas igrejas tem fechado suas portas e muitas outras têm deixado de exercer suas funções como igreja – sendo o povo de Deus e de forma fiel continuando a missão de Cristo – porque não mantiveram um saudável relacionamento com as mudanças ocorridas na comunidade ao seu redor”[3] Este distanciamento da igreja com sua vocação missionária, dificulta o avanço da obra.
Alguns anos atrás iniciamos um projeto de plantação de igreja, e estávamos empolgados com as possibilidades do trabalho. Alguns seminaristas e obreiros foram designados para dar o sustento necessário ao projeto, e depois de um ano e meio verificamos que apesar de termos uma boa estrutura e dependências adequadas, de termos uma equipe bem preparada, não conseguíamos atrair as pessoas do bairro para nosso projeto. Depois de algumas diretrizes, mudança na estratégia, tempo de oração, decidimos encerrar nossas atividades naquele lugar por uma razão simples, mas poderosa: ausência de frutos!
4. O grupo experimenta alegria na comunhão? Muitos grupos se tornaram adoecidos enquanto “comunidade”. Sofreram processos de acusações, rupturas, amarguras e possuem lutas internas mal resolvidas, mas continuam a viver na relação descrita por Erich Fromm como uma simbiose incestuosa, que seria um dos três componentes da “síndrome de decadência[4]”, ou caráter do mal. Peck afirma que relacionamentos assim podem ser exemplificados como um parasita que se firma no caule de uma árvore e passa a receber sua seiva, mas é tão agressivo, que mata a árvore, e morre em seguida, já que dependia da mesma.
Na visão de Fromm, estruturas adoecidas atraem mais pessoas doentes, que entram ou se mantém neste relacionamento destrutivo para si mesmas, porque também possuem elementos do mal. Igrejas não fogem a este padrão. Existem muitos grupos adoecidos que se sustentam anos a fio, com maledicência, ausência de proposta, ensimesmadas e neurotizadas, e quando o grupo entra neste processo de decadência, pode continuar muitos anos juntos, mas adoecido e adoecendo cada vez mais. Um grupo assim não possui vitalidade.
Romper este ciclo vicioso de mau humor, nem sempre é muito fácil. Já tivemos situação em que o grupo havia adoecido a tal ponto, que o conselho mais razoável era fechar o trabalho, deixar algum tempo sem atividade alguma, e depois enviar outro obreiro para começar um projeto a partir do zero. Muitas vezes os escombros são tão grandes, que quando um novo missionário é para ali designado é logo envolvido nas infindáveis discussões de grupos que possuem um estilo novelesco de viver. Tal grupo sofre graves doenças nos seus relacionamentos e tão logo outras pessoas se aproximem dele, serão inoculadas por este estranho vírus da maledicência e da amargura.
5. O grupo olha para fora de si mesmo ou gasta toda sua energia na tentativa de resolver seus conflitos internos? Outro sinal evidente da falta de vida em uma igreja é a dificuldade que encontra para olhar além de si mesma.
Algum tempo atrás estávamos tentando encontrar uma definição para “Missão”. Muitas tentativas foram feitas na história e todas elas sofrem algum nível de crítica no todo ou em parte, mas uma idéia que fez sentido para o grupo foi a que define missão como “tudo aquilo que a igreja faz para além de si mesma” (John Stott). Se uma igreja não está olhando para fora de si, ela deixou de ter sentido, já que igreja, diferentemente de muitas outras instituições filantrópicas, é uma entidade que não existe para sua auto manutenção, mas tem o propósito de olhar para fora.
Comunidades sem vitalidade estão muito preocupadas com a manutenção de suas dependências, proteção do sistema, manter as tradições, mas não fazem qualquer esforço para se superar e ir além de si mesmas. Justificam-se com discursos do tipo “preferimos qualidade a quantidade”, quando, estritamente falando, não possuem nem um nem outro destes elementos. Afinal, desde quando qualidade é oposta a quantidade?
C. John Miller afirma: “Como pessoas, igrejas locais são muitas vezes introvertidas, seguindo o padrão introvertido de personalidade humana. Tais igrejas consomem seus interesses e energias para dentro de si mesmas, e estão preocupadas primariamente com seus próprios negócios. Algumas vezes devotam muito tempo para sua introspecção espiritual e negligenciam a expressão espiritual de suas comunidades”[5] e por isto desenvolvem a “visão de túnel”, limitando assim o ministério potencial de suas comunidades, e isto geralmente acontece por causa de “experiências negativas do passado e presentes obstáculos, mas na raiz esta falta de fé é baseada na ignorância secularizada do poder do Espírito Santo e sua capacidade para suprir os alvos da igreja com meios sobrenaturais para serem alcançados”.[6]
“Toda tarefa tem dimensões tanto de qualidade quanto de quantidade... todas as medidas quantitativas são medidas de certas qualidades... qualidades altamente importantes têm dimensões mensuráveis. A própria maneira de olhar para medidas quantitativas é para estimá-las – de forma devidamente correta – como indicações confiáveis de qualidades”[7]
Macmanus, num fabuloso artigo, The Genesis Design[8], afirma que “Se a igreja é um sistema vivo, e não uma organização feita por homens, então a natureza tem muito a nos ensinar acerca do corpo de Cristo. Portanto, temos que cuidadosamente examinar o padrão de Deus, ou o design que Deus criou no princípio”.
Ele lista cinco características destes elementos que se encontram na matriz da criação.
1. Um equilibrado ecossistema –Local onde as pessoas transformadas por Cristo estabelecem relacionamentos corretos com Deus, consigo mesmas e com outros. Para a igreja se multiplicar, precisa ter relacionamentos positivos;
2. Adaptação ao meio ambiente – espécies que não se adaptam, não sobrevivem. A igreja é uma comunidade de transição. Quando o meio-ambiente muda é necessário adaptação;
3. Reprodução espontânea – Todos os sistemas vivos foram criados para reprodução, sistemas vivos são gerados porque tem a capacidade de se reproduzir. Frutos foram intencionalmente criados com sementes. Uma espécie não reprodutiva sobreviveria apenas uma geração. Ninguém ensina às espécies sobre reprodução, ela é inerente à sua natureza. As mulas não se reproduzem, apesar de serem boas para o trabalho, elas ilustram bem o que acontece quando os homens brincam de Deus. Mulas são conhecidas por sua teimosia e esterilidade. Esta é a melhor descrição de uma igreja feita pelos homens, não por Deus;
4. Instinto e nutrição – Animais não nutrem da mesma forma, mas cada espécie providencia instintivamente para a sobrevivência de sua espécie. Nutrição insuficiente faz a próxima geração se tornar raquítica. Ao mesmo tempo, nenhum animal gera dependência por isto a nutrição excessiva igualmente adoece. A igreja deve desenvolver seu próprio meio para nutrir.
5. Ciclo de vida harmônico – Trata-se simplesmente do ciclo: nascimento, vida e morte. Por mais estranho que pareça, a maior parte de nossa vida é gasta preparando a nova geração. Da mesma forma a igreja dá as condições para que surja a próxima geração. Ela não é a mesma igreja de 20 anos atrás e a única forma de impactar a próxima geração é entendendo o ciclo de vida, e resolver dar vida para os outros.
Igrejas não necessariamente deveriam ser organizadas porque não possuem recursos, mas porque possuem vitalidade. Os elementos acima descritos, naturalmente, atrairão recursos, mas não deveríamos temer a possibilidade de organizar uma igreja local, quando for possível perceber estes sinais em comunidades simples em regiões pobres. Estes sinais que são eventualmente tão subjetivos, podem ser mais eficazes que os sinais objetivos que foram analisados no início.
Talvez o crescimento não venha da forma como esperávamos, nem a organização pode ser realizada dentro do plano originalmente estabelecido, mas se estes sinais estão presentes, naturalmente podemos discernir algo do mover de Deus, e nos alegrar com esta manifestação da bondade de Deus no meio de seu povo.
Anápolis-GO
Fevereiro 2010
[1] Manual Presbiteriano, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1987, Cap II, & 5
[2] . Lovelace, Richard – Dynamics of Spiritual Life, Downers Grove, IL, Inter-varsity Press, 1979, pg 149.
[3] . Parrish, Archie – Invigorate your churc, Atlanta, GA – Serve International, 2001, pg 87.
[4] Citado por M. Scott Peck em “People of the lie”. New York, Simon and Schuster, 1983, pg 118.
[5] Miller, C. John – Outgrowing and ingrowing churches, Grand Rapids, MI, Zondervan P. House, 1986, pg 27, citando W. Curry Mavis, Advancing the Smaller Churches, Grand Rapids: Baker, 1957, pg. 30.
[6] Op. citado, pg. 28
[7] Ralph D. Winter, Citado por Donald MacGravan. Compreendendo o Crescimento da Igreja, São Paulo, Ed. Sepal, 2001, pg 104.
[8] By Macmanus, Erwin R. - The Genesis Design
Rev Samuel Vieira
Extraído do site: http://www.ctpi.org.br/
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