Considerado um dos principais estrategistas do assunto na atualidade, David Botelho chama a Igreja ao despertamento para evitar o fracasso na obra missionária. “Estamos atravessando um dos mais difíceis tempos para missões em nosso país”, diz Botelho
Quando ainda era pouco mais que um adolescente, David Botelho ganhou de um amigo uma coleção de 12 livros de Oswald Smith, pastor da Igreja dos Povos em Toronto, Canadá. Considerado o principal divulgador e incentivador da obra missionária no século passado, a ponto de tornar-se mundialmente conhecido como o “Sr. Missões”, Smith conseguiu tocar Botelho com suas palavras. O brasileiro devorou as obras, sendo que uma, Evangelizemos o mundo, leu 17 vezes. Isso mudou seus rumos. Botelho finalmente encontrara o chamado para sua vida: servir a Jesus Cristo nos lugares onde ele ainda não tivesse sido anunciado.
Para tanto, deixou um promissor cargo na fábrica da General Motors, enfrentou a oposição do pastor de sua igreja que considerava tudo aquilo uma loucura, e se mudou com a família para Pindamonhangaba (SP) para cursar o seminário e se preparar para a obra missionária. “Achava que no dia seguinte após terminar meus estudos estaria na China, mas os planos de Deus eram outros”, recorda ele hoje. Botelho, na verdade, acabou indo para o interior de Minas Gerais, para abrir igrejas, depois esteve um tempo evangelizando os índios na selva boliviana e, por fim, foi para o País de Gales, onde teve experiência em planejamento, recrutamento, treino, envio de missionários, logística e estratégia de missões.
Passados 30 anos desde que principiou sua aventura, hoje ele ostenta uma bagagem como poucos. Com toda a família, a esposa Cleonice e os três filhos, respira missões. Trouxe para o Brasil, a Missão Horizontes, uma das principais do país, e agora treina e envia missionários para o mundo todo. Seus livros e mensagens despertam igrejas e motivam obreiros. Literalmente, recebeu o manto de Oswald Smith e, sem medo de errar, pode ser apontado como um dos grandes estrategistas do trabalho missionário da atualidade em todo o planeta.
“Estamos atravessando um dos mais difíceis tempos para missões em nosso país. Nesses últimos anos, diminuímos em um quarto o envio de missionários transculturais e, salvo uma ou outra exceção, não há perspectivas para melhoras na maioria das igrejas”, diz ele. E o problema não é financeiro, como tantos pensam. “Falta compromisso a nossos líderes”, aponta. Botelho recebeu ECLÉSIA em seu apartamento em Santo André (Grande São Paulo) para falar sobre isso, sobre as novas estratégias missionárias e sobre o futuro do movimento evangélico. “Certa vez, escrevi um livro chamado ‘Brasil, o gigante adormecido’, no qual explico porque ainda não conseguimos despertar para missões. Mas agora temo que se algo não acontecer com urgência, corremos sério risco de fracassar em nossa mais importante tarefa”.
Como o senhor avalia o atual panorama missionário mundial?
DAVI BOTELHO – Eu creio que nunca houve oportunidades tão grandes como agora. Os desafios continuam sendo enormes, mas hoje nós temos informações, recursos e facilidades de transporte e tecnologia. O que falta é vontade de obedecer ao comando do Mestre.
Mas como superar, por exemplo, a falta de recursos financeiros para a preparação e o envio de obreiros, sobretudo em um país pobre como o Brasil?
Ora, 53 % da riqueza mundial hoje estão nas mãos dos cristãos. Os Estados Unidos, na década de 1950, enviaram em torno de 20 mil missionários ao mundo. E o Brasil hoje é muito mais rico que os Estados Unidos na época. Então, a falta de recursos financeiros não é desculpa. Essa alegação da falta de recursos, por mais que seja verdadeira, não pode ser usada como desculpa para a paralisia missionária.
Quer um exemplo? O Maranhão é um dos estados mais pobres do Brasil. Mas lá, na cidade de Imperatriz, a igreja Assembléia de Deus tem mais de 100 missionários. Quer dizer, num estado pobre, numa cidade pobre, existe uma igreja cujos membros certamente são pobres também, mas têm paixão por missões. Um desses missionários foi treinado por nós e hoje está no Afeganistão. Faça a seguinte conta: se hoje, cada igreja evangélica do Brasil tivesse apenas um missionário, teríamos cerca de 300 mil obreiros brasileiros atuando em missões. Você já imaginou o impacto espiritual que esse contingente provocaria no mundo?
Mas hoje em dia há candidatos à obra missionária?
Hoje, nós temos uma quantidade enorme de interessados em ir para as missões. Só nós temos uma lista de mais de mil pessoas que se inscreveram com este objetivo. Nossa organização apresentou uma proposta de parceria a líderes internacionais para viabilizar o preparo e o envio desses candidatos aos campos. Mas até agora ainda não temos encontrado eco nessa questão de parceria internacional. Muitas agências missionárias estrangeiras vêm buscar candidatos no Brasil, mas ainda não acreditam em investir no obreiro brasileiro.
O Brasil foi apontado nas ultimas décadas como um potencial celeiro missionário. Entretanto, poucas igrejas investem de fato em missões. O senhor acha que a Igreja Evangélica brasileira fracassou em sua vocação?
A Igreja nunca fracassa. O que nós vemos são alguns líderes que perderam a visão no meio do caminho. Veja o que aconteceu no início do cristianismo. A Igreja primitiva começou o processo de evangelização do mundo e, nos primeiros 250 anos depois de Cristo, mais de 100 povos foram alcançados pelo Evangelho. Os cristãos daquele tempo tinham um ímpeto evangelístico tão grande que logo a fé chegou ao norte da Europa, a milhares de quilômetros de onde tudo começou. Se as coisas continuassem naquele ritmo, a tarefa de evangelizar o mundo teria sido concluída por volta do ano 1000. Mas, por uma série de fatores, o trabalho missionário arrefeceu nos séculos seguintes.
No Brasil, guardadas as proporções, ocorreu fenômeno semelhante. Aqui, houve um boom missionário entre as décadas de 1970 e 80, quando a média de envio de missionários era de 12, 8 por 100 candidatos. Agora no início do século 21, é de 3,5 – então, caiu quatro vezes. Hoje, o Brasil tem em torno de 12 mil crentes para um missionário. É muito pouco para uma Igreja tão numerosa e tão forte institucionalmente. Então, nós estamos muito atrasados. E, se esse quadro de apatia e desinteresse não mudar, vamos continuar adiando o momento de atender ao desafio para uma quarta ou quinta geração depois da nossa.
A que se deve essa perda da visão missionária da Igreja nacional?
Ela se deve à falta de um verdadeiro despertamento espiritual no meio da liderança. Infelizmente, os líderes evangélicos é que têm sido obstáculo para as missões. E é uma pena, mas nós esperamos que Deus possa despertar os pastores e fazê-los ver a urgência do mundo conhecer Jesus. No entanto, o que se vê hoje são grandes ministérios preocupados com seu próprio crescimento, em arrecadar mais e mais recursos. Veja que, onde há mais recursos, como nos grandes centros urbanos, as igrejas estão mais presentes.
No interior, onde não há muitas oportunidades materiais, há poucas igrejas interessadas em trabalhar. E o quê dizer, então, de ir a lugares ainda mais remotos do mundo, onde não há praticamente quaisquer recursos materiais? Poucas igrejas estão fazendo muito; a maioria das igrejas estão fazendo pouco, e muitas delas não estão fazendo nada para cumprir o “ide” de Jesus. Um texto que me chama a atenção é aquele que diz que quem sabe que deve fazer o bem, mas não o faz, está pecando. Então, a Igreja brasileira está em pecado.
E o que a sua organização tem feito no sentido de despertar os líderes e as igrejas?
Olha, 85% das pessoas que participaram do último Congresso Brasileiro de Missões disseram que suas igrejas precisavam ser mobilizadas para a obra missionária. Logo, os crentes estão sentindo que algo precisa ser feito. Nós temos procurado suprir algumas dessas áreas pelo curso de visão global, que nós ministramos para os líderes e todos os crentes. É um curso com dez horas de duração e que ajuda as pessoas a ter uma idéia do que é, afinal de contas, fazer missões. Temos um outro curso que tem chegado a diversas partes do Brasil e do mundo, que é o curso de especialização em missões transculturais à distância, com vários materiais de apoio e um conteúdo bastante abrangente.
Onde que é mais difícil evangelizar –na Europa, onde há um esfriamento da fé; no Oriente Médio, com seus estados islâmicos que oprimem os cristãos; na China, onde o regime é fechado ao Evangelho, ou aqui no Brasil, em que há tanta oferta de religião que as pessoas ficam sem saber que rumo seguir?
Esta é uma pergunta bem oportuna. O problema é outro, e envolve tanto a Europa quanto os países muçulmanos, budistas, hindus ou o Brasil. O problema está dentro da Igreja, que tem a Palavra de Deus, mas se omite em anunciá-la. A omissão, a apatia e a indiferença em relação ao chamado de Cristo é o grande perigo que ameaça a obra missionária.
Hoje, qual é o país mais fechado ao Evangelho?
A Coréia do Norte. Ela é apontada como a nação mais fechada para o Evangelho neste início de século, conforme a pesquisa elaborada todos os anos pela missão Portas Abertas. Nestes últimos seis anos, a Coréia do Norte teve três milhões de pessoas mortas pela fome. É um quadro desastroso – mas, ao mesmo tempo, a perseguição religiosa é extremamente grande. O comunismo arruinou a Coréia do Norte, que hoje é uma nação isolada e miserável. A Igreja ali padece de várias maneiras. Sabemos, por exemplo, que há intensa perseguição à fé evangélica. Há até relatos de cristãos que são lançados em água fervente. É hora de a Igreja mundial orar e voltar seu interesse pela Coréia do Norte.
Recentemente, a Missão Horizontes lançou o livro Segredos do Alcorão, no qual são relatados os planos de dominação do Islã e também a violência inerente a determinados setores muçulmanos. Essa é uma questão que tem gerado preocupações, não apenas no meio religioso, como nos círculos geopolíticos, militares e econômicos. O Islã é ou não é uma ameaça à civilização ocidental
Depois do 11 de Setembro, houve um interesse maior pela fé islâmica e pelo modo de vida dos povos muçulmanos. Desde os atentados de 2001 contra os Estados Unidos, a violência e o radicalismo de matriz muçulmana têm aumentado. Isso tem, sim, uma base doutrinária forte, porque o Alcorão tem 118 passagens que estimulam a morte dos infiéis, ou seja, os que não seguem o Islã – particularmente, os judeus e os cristãos.
Qual é a importância da oração no trabalho missionário?
Bem, a oração é parte fundamental do trabalho missionário. O Senhor disse: “Pede e eu te darei as nações por herança”; logo, as nações pertencem ao Senhor. Precisamos orar pelo envio de obreiros, por recursos para a obra, para que as autoridades políticas concedam abertura para a pregação do Evangelho e que também os corações das pessoas sejam quebrantados ao ouvir a pregação do Evangelho.
E por sabedoria na pregação. Além de toda a preparação intelectual, cultural, emocional e sentimental, o missionário também precisa ter sabedoria divina para anunciar as boas novas. Nossa expectativa é de que os crentes aprendam a orar e que possam interceder pelo chamado de obreiros e também de profetas em nossa nação, gente que não apenas saia para pregar o Evangelho, mas que também se levante contra a imoralidade, a corrupção, a violência e a omissão da Igreja.
O senhor já esteve em mais de 50 países. Fale sobre algumas coisas que o tenham impressionado na obra missionária.
Algumas experiências me marcaram profundamente. Certa vez, na África, encontrei um povo tão miserável que até o ovo que ofereceram para eu comer tinha a gema branca. Eu nunca havia visto aquilo – e uma médica que me acompanhava explicou que naquela região a fome era tamanha que até as galinhas ficavam anêmicas. Uma nação africana, o Níger, tem 90% de sua população analfabeta. Pergunto: a Igreja de Cristo não poderia mudar essa situação?
Em diversos países africanos, as meninas de dois, três anos, são mutiladas sexualmente. Elas têm seus clitóris arrancados, para que jamais venham a ter prazer sexual. E onde está a Igreja para revelar a verdade do amor de Deus? E o que dizer da China, onde, segundo estimativas otimistas, 500 milhões de pessoas – veja bem, eu disse 500 milhões, o equivalente às populações dos Estados Unidos e do Brasil juntas – jamais ouviram uma pregação sobre Jesus Cristo? Quando estive lá, entrei em uma casa onde havia um pôster de Michael Jordan, aquele jogador de basquete, na parede.
Quer dizer, eles conhecem Michael Jordan, mas não conhecem Jesus, porque ninguém foi lá pregar para eles. E a Índia, onde 300 milhões de pessoas vivem na miséria absoluta, sem nunca sequer ter entrado em uma casa de verdade, quanto mais ter uma? Na Índia, o que me chocou foi ter entrado em um templo onde havia, segundo me disseram, uns 30 mil ratos. E muitas pessoas estavam lá venerando esses ratos, dirigindo preces a eles. Por que eles fazem isso? Porque não conhecem o verdadeiro Deus, porque não tem um missionário cristão naquele lugar. Isso me faz lembrar uma passagem meio desconhecida da Bíblia, que fica em Isaías 59.11: “Rugimos como ursos assustados, gememos como pombas, esperamos a salvação; porém, ela demora. Desejamos socorro, mas está longe de nós”.
A obra missionária é urgente. Um casal de missionários que conheço me contou uma história aterradora. Eles estavam à beira do Rio Ganges, na Índia, que é considerado sagrado pelo hinduísmo. De repente, um casal se aproximou da margem e jogou nas águas um bebê. Os missionários, que falavam a língua local, correram e perguntaram por que eles fizeram aquilo – e o pai respondeu que os deuses haviam mandado. Então, os missionários lhes falaram sobre o Evangelho e o amor de Jesus, e a mãe, comovida com aquela palavra, disse: “Se vocês tivessem chegado aqui meia hora antes, meu filho não teria morrido”.
Fonte: Revista Eclésia
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