A
questão não é nova. E me defino logo: a igreja não é empresa e o pastor não é
gerente eclesiástico. Sei que um pastor deve ter noções de liderança de grupo e
que uma igreja precisa de regras de vivência administrativa. Inclusive, por ser
pessoa jurídica, se submeter às leis do país. Mas igreja não é empresa. Igreja
é igreja, algo totalmente singular e distinto de qualquer outra organização. E
deve ser pastoreada por homens que sejam pastores. Deus deu pastores à igreja
(Ef 4.1) e não administradores de empresa. Gerentes devem ficar em empresas, e
pastores nas igrejas.
A
liderança da igreja não se forma em escolas de administração nem em cursos de
liderança. É carismática. Os charismata do Espírito são para fazer a igreja
viver. Sem os dons do Espírito a igreja pode ser uma instituição admirável,
funcionando bem, como uma máquina azeitada, mas corre o risco de não ser mais
igreja. Por charisma não me refiro a curas, línguas, ou sua interpretação. Nas
listas de dons do Novo Testamento, estes não são os primeiros alistados. Não
discutirei dons, aqui. Posso discuti-los em outra ocasião, mas agora afirmo o
seguinte: a igreja e o ministério pastoral têm sido descaracterizados por causa
de um enfoque equivocado. Os apóstolos pediram à igreja que escolhesse homens
de boa reputação para administrar um problema da igreja, e afirmaram: “Mas nós
perseveraremos na oração e no ministério da palavra” (At 6.4). Esta é a função
primordial do pastor: assuntos espirituais. E não me digam que supervisionar
colocação de tijolos é negócio espiritual, que não há dicotomia entre vida
material e espiritual, que esta separação é platonismo, etc. Posso discutir
Platão em outra ocasião, mas ele não tem nada a ver com esta visão. Os
apóstolos deixaram claro que tinham algo mais importante a fazer que cuidar de
alguns problemas da igreja, que eram relevantes e ameaçavam a unidade, mas que
não eram para eles cuidarem. Hoje há uma inversão: os pastores cuidam dos
negócios e pedem à igreja que ore por eles. Mas em Atos, os homens da igreja
cuidavam dos negócios e os pastores oravam e pregavam.
Ao
apresentar o excelente “A vocação espiritual do pastor”, de Eugene Petersen,
Ricardo Barbosa faz uma observação muito pertinente. Diz ele que há duas
palavras novas, recém incorporadas ao vocabulário atinente à vocação pastoral:
líder e terapeuta. Diz ele, textualmente: “Fala-se cada vez menos em formação
pastoral e mais em formação de líderes. Curiosamente, ‘líder’ é uma palavra que
não aparece na Bíblia para descrever aquele que serve a Deus em sua igreja.
Também não aparece na longa história de vinte séculos de vocação pastoral” (p.
7). Continuando o arrazoado, Ricardo diz que quando se fala em pastor, hoje,
não nos vem à mente a figura do Salmo 23 ou as responsabilidades sacerdotais de
Arão, “mas as imagens do executivo, do administrador, do empresário, imagens de
um profissional” (p. 8). Ele faz uma interessante comparação entre pastores e
terapeutas seculares. Muitos destes renunciam à ciência, e citam manuais de
auto-ajuda. Os pastores deixam de lado a orientação da Palavra, e citam
terapeutas incrédulos e almanaques. Sua conclusão é séria: “Nosso chamado é
para ser pastores, não líderes ou terapeutas” (p. 11).
Isso
se coaduna com a argumentação de Os Guiness, em “Dining with the Devil: the
megachurch movement flirts with the modernity” (“Jantando com o Diabo – o
movimento mega-igreja flerta com a modernidade”). Para Guiness, o maior desafio
do mundo à igreja não é o secularismo, mas a secularização. O secularismo é uma
filosofia, e a secularização é um processo. Sendo abertamente hostil, o
secularismo, logo é identificado e rejeitado. Mas a secularização vem como um
processo, e nos envolve sutilmente, até mesmo porque nós a usamos. Ouvi um
líder cristão, nos anos noventas, dizer que “para viver segura, a igreja
precisava ter, pelo menos, R$ 10.000,00 em caixa”. A argumentação é mundana,
mas me chocou tanto que a comentei aos formandos da Faculdade de Teologia do
Amazonas, em 1997, na palavra paraninfal que intitulei de “Quando a igreja
troca a teologia pela tecnocracia”, e volto a ela, treze anos depois. Tal líder
não entendeu que a maior segurança da igreja está em viver dentro da Palavra,
na presença de Deus, e não no seu caixa. Quando há vida espiritual na igreja, o
Espírito move os corações das pessoas. Foi assim que o Espírito agiu na vida de
José, levando-o a vender seu terreno, sem que houvesse uma campanha para tal, e
trouxesse o valor à igreja (At 4.36-37). Onde há espiritualidade há recursos.
Mais que marketing, a igreja precisa de santidade.
O
obreiro cristão secularizado é um tecnocrata. Crê que a salvação e o futuro da
igreja não estão em Deus e na oração, mas em táticas humanas. Sua visão é
mundana. Assim, muitas igrejas vivem de campanhas e os pastores se esmeram na
criatividade para mobilizar o povo. Mas um ambiente espiritual proveria isto.
Muito de nossa ação secularizadora poderia ser alvo do pedido de Paulo:
“Não
extingais o Espírito” (1Ts 5.19)ACF. A verdadeira liderança se põe mãos do
Espírito, vive em sua presença, e possibilita sua ação na igreja. Não o
extingue, trocando-o por técnicas de animação do povo tipo: “Como liderar o
povo de Deus em sua caminhada para o sucesso”. A maior característica de liderança
da igreja é que ela deve ser carismática, vinda do Espírito, e não de
cursinhos, livros e revistas sobre técnicas.
Na
obra citada, Os Guiness traz o comentário feito por um negociante japonês a um
cristão: “Sempre que encontro um líder budista, encontro um homem santo. Sempre
que encontro um líder cristão, encontro um administrador” (p. 97). Isto me foi
uma bofetada. A liderança cristã deve ser recrutada entre os mais santos e
piedosos, os mais moldados pela Bíblia (cremos mesmo que ela é o manual de Deus
à igreja?) e não entre os mais capazes na vida secular, mesmo que de
espiritualidade opaca. Priorizamos a competência secular sobre a santidade, e
depois descobrimos que não deu certo, porque as regras de vida da igreja
diferem das regras de vida de uma empresa. Basta uma diferença para nos fazer
refletir sobre isto. A saúde de uma empresa está em maximizar ganhos e
minimizar gastos. Quer matar uma igreja? Faça isso! Quer ver uma igreja
explodir de vida? Leve-a a investir em missões, em obreiros, em vidas. Os
recursos virão. Afinal, Deus disse:
“Minha
é a prata, e meu é o ouro, disse o SENHOR dos Exércitos”(Ag 2.8)ACF
Está
no Salmo 50.12: “Se eu tivesse fome, não to diria, pois meu é o mundo e toda a
sua plenitude”(ACF)
Deus
tem os recursos, mas momentaneamente os deixa com seu povo. E não precisam ser
extorquidos do povo, que o traz voluntariamente quando Deus age. O problema é
que parece que não cremos mais nessas coisas, e tentamos dar um jeito de fazer
a igreja funcionar. Aposentamos o Espírito Santo. Estou chocado com a visão
secular do reino de Deus entre nós. A proliferação de modelos eclesiásticos é
uma prova disso. Damos cada vez mais valor à técnica e aos métodos. Colocamos
Deus na periferia e o fazer humano no centro. Não é de admirar que vivamos em
uma crise cíclica. Perdemos os alvos espirituais de vista. Eles são numéricos e
quantitativos. Mas a igreja é algo muito sério para a tomarmos em nossas mãos!
No seu
prefácio, Barbosa faz um interessante comentário sobre como é difícil aos
pastores serem pastores. Diz ele que é porque os pastores estão afundados na
idolatria: “Onde dois ou três estão reunidos e o nome de Deus é pronunciado,
uma comissão está formada para a criação de um ídolo. Queremos deuses que não
sejam deuses para que possamos ser ‘como deuses’” (p. 16). A tecnocracia é o
grande ídolo, o bezerro de ouro de nossas igrejas e pastores. Assim, pastorado
deixou de ser ensinar a Palavra e cuidar das pessoas e se tornou administrar um
negócio espiritual. Deixou de ser um sacerdócio (viver na presença de Deus,
ministrar a Palavra de Deus e interceder pelo rebanho de Deus) e passou a ser
uma carreira religiosa. O pastor virou gerente.
O
texto de Petersen, propriamente dito, se baseia em Jonas. Ele quis servir a
Deus, não como este queria, mas do seu modo.
No
final, sua briga com o Senhor não foi por causa do reino de Deus, mas de sua
reputação pessoal. Esta é uma das lutas do pastor: preocupar-se mais com sua
reputação pessoal que com a vontade de Deus. Não podemos usar a igreja e o
reino como degraus para a nossa escalada pessoal rumo ao sucesso. “Convém que
ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30). Mas muita gente está escrevendo sua
história pessoal tendo o evangelho como pretexto. O ministério do obreiro é
promovido mais que o nome de Jesus. Em alguns lugares, lá estão o nome do
obreiro (em letras garrafais) e sua foto-pôster. É um culto à personalidade,
vulgar e chocante. Esta pessoa está ambicionando o lugar de Jesus. Na
realidade, o obreiro sequer deveria ser promovido.
Sei
que pastores estão em baixa, não tem expressão e não movimentam recursos de
monta. Gerentes, sim. E muitas igrejas, estruturadas como empresas, querem
gerentes, não pastores. Há rebanhos que não querem pastores, mas agem como
acionistas de um negócio espiritual: querem um executivo. Não querem ouvir a
voz de Deus, até mesmo porque isso é perigoso. Querem ouvir o eco de sua
própria voz. E atribuem ao eco o status de voz divina.
Jonas
pensou que podia servir a Deus em Társis, ao invés de Nínive. O seu negócio era
servir a Deus. Então, ele tentou fazer à sua maneira, não à maneira de Deus.
Como comento em meu livro “Jonas, nosso contemporâneo”, segundo os rabinos, a
razão principal pela qual Jonas foi para Társis não foi por ser o lado oposto a
Nínive, mas ser um lugar onde a Palavra de Deus não se fazia ouvir (com base em
exegese de Isaías 66.19). Quando um homem segue seus insights foge da voz de
Deus. O profeta ouve a voz de Deus. O homem religioso segue seus insights.
Outra grande tentação do pastor é ser um homem religioso, e não um profeta.
Porque é possível cuidar de religião sem ouvir a voz de Deus. É menos
problemático cuidar de religião. Não é de estranhar a dificuldade de tantos
pastores com a Bíblia, a ponto de chamarem quem cita a Bíblia de
fundamentalista. Nessa enquadraram Jesus, porque ele gostava muito de dizer
“Está escrito”. Gerente tem mais margem de manobra em negócios que pastor. O
gerente ouve o mercado e segue as técnicas modernas. O pastor deve se guiar por
noções tidas como obsoletas. E parece que o gerente e a igreja-empresa estão
mais cotados que o pastor e a igreja-igreja: arrastam mais gente e aparentam
mais sucesso aos olhos humanos.
Mas
perguntemo-nos: isto é mesmo igreja nos moldes bíblicos? O que estamos fazendo
com a igreja e com o reino de Deus?
Pastores
devem ouvir a Bíblia, submeter-se a ela, reger-se por ela. Gerentes amam e
seguem técnicas e soluções como
“R$
10.000,00 em caixa”. Mas gerentes descaracterizam a igreja e a transformam num
negócio secular. Precisamos recuperar o sentido bíblico de igreja, bem como os
princípios bíblicos para a vida da igreja. Também precisamos recuperar a visão
bíblica do ministério, trazendo o pastor de volta ao molde pastoral do Novo
Testamento, e não ao figurino do gerente moderno. Caso contrário, nós que já
perdemos as duas últimas décadas discutindo métodos para recuperar nossa
denominação, perderemos outras, discutindo métodos e técnicas. Estamos
patinando e não nos damos conta disso! Estou cansado de modelos, gráficos e
desenhos que, na minha limitação gerencial, nunca entendo! Há trinta anos vejo
minha denominação, que muito amo, discutir técnicas e modelos. Será que ainda
não deu para notar que não é por aí? Não dá para notar que precisamos deixar os
bezerros de ouro da técnica, dos modelos, do institucionalismo, e reentronizar
o Deus verdadeiro em nossas igrejas? Que os rebanhos precisam de pastores e não
de gerentes? Que carecemos de vida mais que de estratégias?
Solução?
Não tenho, mas ouso uma sugestão. Por que, ao invés de pedir às igrejas que
orem pelo Brasil, no dia 15 de outubro, não pedimos às igrejas e aos batistas
da CBB, que separem o dia para orar e jejuar pela denominação? Que tal
priorizarmos a oração e a espiritualidade sobre técnica, modelos, planos e
gestões? Parece-me que ver a igreja como empresa e tornar o pastor em gerente é
o que mais temos feito nos últimos vinte anos e não saímos do lugar. Jejuemos e
oremos assim, e quem sabe, voltaremos ao pastor-pastor e à igreja-igreja.
Oremos por um avivamento que nos faça retornar à simplicidade que há em Cristo
(1Co 11.3). Um avivamento que nos leve a confessar e chorar nossos erros, que
afaste da liderança as pessoas erradas, que leve os pastores a amarem mais as
igrejas que seus ministérios, que acabe com as carreiras solos e nos reconduza
ao trabalho solidário. Um avivamento que acabe com o “eu” e traga o “nós” de
volta.
Quanto
a mim, quero ser pastor e não gerente. Quero cuidar de um rebanho, não de uma
empresa. E reitero meu amor pela igreja de Jesus, pela minha denominação, e
minha crença inabalável que precisamos retornar a um caminho abandonado.
“Não
removas os antigos limites que teus pais fizeram” (Pv 22.28)ACF
Temos
feito isto. E nos saído mal.
Pr
Isaltino Gomes Coelho Filho
http://perolasdoevangelho.blogspot.com.br/
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