quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

PASTOR OU GERENTE? IGREJA OU EMPRESA?


A questão não é nova. E me defino logo: a igreja não é empresa e o pastor não é gerente eclesiástico. Sei que um pastor deve ter noções de liderança de grupo e que uma igreja precisa de regras de vivência administrativa. Inclusive, por ser pessoa jurídica, se submeter às leis do país. Mas igreja não é empresa. Igreja é igreja, algo totalmente singular e distinto de qualquer outra organização. E deve ser pastoreada por homens que sejam pastores. Deus deu pastores à igreja (Ef 4.1) e não administradores de empresa. Gerentes devem ficar em empresas, e pastores nas igrejas.
A liderança da igreja não se forma em escolas de administração nem em cursos de liderança. É carismática. Os charismata do Espírito são para fazer a igreja viver. Sem os dons do Espírito a igreja pode ser uma instituição admirável, funcionando bem, como uma máquina azeitada, mas corre o risco de não ser mais igreja. Por charisma não me refiro a curas, línguas, ou sua interpretação. Nas listas de dons do Novo Testamento, estes não são os primeiros alistados. Não discutirei dons, aqui. Posso discuti-los em outra ocasião, mas agora afirmo o seguinte: a igreja e o ministério pastoral têm sido descaracterizados por causa de um enfoque equivocado. Os apóstolos pediram à igreja que escolhesse homens de boa reputação para administrar um problema da igreja, e afirmaram: “Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra” (At 6.4). Esta é a função primordial do pastor: assuntos espirituais. E não me digam que supervisionar colocação de tijolos é negócio espiritual, que não há dicotomia entre vida material e espiritual, que esta separação é platonismo, etc. Posso discutir Platão em outra ocasião, mas ele não tem nada a ver com esta visão. Os apóstolos deixaram claro que tinham algo mais importante a fazer que cuidar de alguns problemas da igreja, que eram relevantes e ameaçavam a unidade, mas que não eram para eles cuidarem. Hoje há uma inversão: os pastores cuidam dos negócios e pedem à igreja que ore por eles. Mas em Atos, os homens da igreja cuidavam dos negócios e os pastores oravam e pregavam.

Ao apresentar o excelente “A vocação espiritual do pastor”, de Eugene Petersen, Ricardo Barbosa faz uma observação muito pertinente. Diz ele que há duas palavras novas, recém incorporadas ao vocabulário atinente à vocação pastoral: líder e terapeuta. Diz ele, textualmente: “Fala-se cada vez menos em formação pastoral e mais em formação de líderes. Curiosamente, ‘líder’ é uma palavra que não aparece na Bíblia para descrever aquele que serve a Deus em sua igreja. Também não aparece na longa história de vinte séculos de vocação pastoral” (p. 7). Continuando o arrazoado, Ricardo diz que quando se fala em pastor, hoje, não nos vem à mente a figura do Salmo 23 ou as responsabilidades sacerdotais de Arão, “mas as imagens do executivo, do administrador, do empresário, imagens de um profissional” (p. 8). Ele faz uma interessante comparação entre pastores e terapeutas seculares. Muitos destes renunciam à ciência, e citam manuais de auto-ajuda. Os pastores deixam de lado a orientação da Palavra, e citam terapeutas incrédulos e almanaques. Sua conclusão é séria: “Nosso chamado é para ser pastores, não líderes ou terapeutas” (p. 11).

Isso se coaduna com a argumentação de Os Guiness, em “Dining with the Devil: the megachurch movement flirts with the modernity” (“Jantando com o Diabo – o movimento mega-igreja flerta com a modernidade”). Para Guiness, o maior desafio do mundo à igreja não é o secularismo, mas a secularização. O secularismo é uma filosofia, e a secularização é um processo. Sendo abertamente hostil, o secularismo, logo é identificado e rejeitado. Mas a secularização vem como um processo, e nos envolve sutilmente, até mesmo porque nós a usamos. Ouvi um líder cristão, nos anos noventas, dizer que “para viver segura, a igreja precisava ter, pelo menos, R$ 10.000,00 em caixa”. A argumentação é mundana, mas me chocou tanto que a comentei aos formandos da Faculdade de Teologia do Amazonas, em 1997, na palavra paraninfal que intitulei de “Quando a igreja troca a teologia pela tecnocracia”, e volto a ela, treze anos depois. Tal líder não entendeu que a maior segurança da igreja está em viver dentro da Palavra, na presença de Deus, e não no seu caixa. Quando há vida espiritual na igreja, o Espírito move os corações das pessoas. Foi assim que o Espírito agiu na vida de José, levando-o a vender seu terreno, sem que houvesse uma campanha para tal, e trouxesse o valor à igreja (At 4.36-37). Onde há espiritualidade há recursos. Mais que marketing, a igreja precisa de santidade.

O obreiro cristão secularizado é um tecnocrata. Crê que a salvação e o futuro da igreja não estão em Deus e na oração, mas em táticas humanas. Sua visão é mundana. Assim, muitas igrejas vivem de campanhas e os pastores se esmeram na criatividade para mobilizar o povo. Mas um ambiente espiritual proveria isto. Muito de nossa ação secularizadora poderia ser alvo do pedido de Paulo:

“Não extingais o Espírito” (1Ts 5.19)ACF. A verdadeira liderança se põe mãos do Espírito, vive em sua presença, e possibilita sua ação na igreja. Não o extingue, trocando-o por técnicas de animação do povo tipo: “Como liderar o povo de Deus em sua caminhada para o sucesso”. A maior característica de liderança da igreja é que ela deve ser carismática, vinda do Espírito, e não de cursinhos, livros e revistas sobre técnicas.

Na obra citada, Os Guiness traz o comentário feito por um negociante japonês a um cristão: “Sempre que encontro um líder budista, encontro um homem santo. Sempre que encontro um líder cristão, encontro um administrador” (p. 97). Isto me foi uma bofetada. A liderança cristã deve ser recrutada entre os mais santos e piedosos, os mais moldados pela Bíblia (cremos mesmo que ela é o manual de Deus à igreja?) e não entre os mais capazes na vida secular, mesmo que de espiritualidade opaca. Priorizamos a competência secular sobre a santidade, e depois descobrimos que não deu certo, porque as regras de vida da igreja diferem das regras de vida de uma empresa. Basta uma diferença para nos fazer refletir sobre isto. A saúde de uma empresa está em maximizar ganhos e minimizar gastos. Quer matar uma igreja? Faça isso! Quer ver uma igreja explodir de vida? Leve-a a investir em missões, em obreiros, em vidas. Os recursos virão. Afinal, Deus disse:

“Minha é a prata, e meu é o ouro, disse o SENHOR dos Exércitos”(Ag 2.8)ACF

Está no Salmo 50.12: “Se eu tivesse fome, não to diria, pois meu é o mundo e toda a sua plenitude”(ACF)

Deus tem os recursos, mas momentaneamente os deixa com seu povo. E não precisam ser extorquidos do povo, que o traz voluntariamente quando Deus age. O problema é que parece que não cremos mais nessas coisas, e tentamos dar um jeito de fazer a igreja funcionar. Aposentamos o Espírito Santo. Estou chocado com a visão secular do reino de Deus entre nós. A proliferação de modelos eclesiásticos é uma prova disso. Damos cada vez mais valor à técnica e aos métodos. Colocamos Deus na periferia e o fazer humano no centro. Não é de admirar que vivamos em uma crise cíclica. Perdemos os alvos espirituais de vista. Eles são numéricos e quantitativos. Mas a igreja é algo muito sério para a tomarmos em nossas mãos!

No seu prefácio, Barbosa faz um interessante comentário sobre como é difícil aos pastores serem pastores. Diz ele que é porque os pastores estão afundados na idolatria: “Onde dois ou três estão reunidos e o nome de Deus é pronunciado, uma comissão está formada para a criação de um ídolo. Queremos deuses que não sejam deuses para que possamos ser ‘como deuses’” (p. 16). A tecnocracia é o grande ídolo, o bezerro de ouro de nossas igrejas e pastores. Assim, pastorado deixou de ser ensinar a Palavra e cuidar das pessoas e se tornou administrar um negócio espiritual. Deixou de ser um sacerdócio (viver na presença de Deus, ministrar a Palavra de Deus e interceder pelo rebanho de Deus) e passou a ser uma carreira religiosa. O pastor virou gerente.

O texto de Petersen, propriamente dito, se baseia em Jonas. Ele quis servir a Deus, não como este queria, mas do seu modo.

No final, sua briga com o Senhor não foi por causa do reino de Deus, mas de sua reputação pessoal. Esta é uma das lutas do pastor: preocupar-se mais com sua reputação pessoal que com a vontade de Deus. Não podemos usar a igreja e o reino como degraus para a nossa escalada pessoal rumo ao sucesso. “Convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30). Mas muita gente está escrevendo sua história pessoal tendo o evangelho como pretexto. O ministério do obreiro é promovido mais que o nome de Jesus. Em alguns lugares, lá estão o nome do obreiro (em letras garrafais) e sua foto-pôster. É um culto à personalidade, vulgar e chocante. Esta pessoa está ambicionando o lugar de Jesus. Na realidade, o obreiro sequer deveria ser promovido.

Sei que pastores estão em baixa, não tem expressão e não movimentam recursos de monta. Gerentes, sim. E muitas igrejas, estruturadas como empresas, querem gerentes, não pastores. Há rebanhos que não querem pastores, mas agem como acionistas de um negócio espiritual: querem um executivo. Não querem ouvir a voz de Deus, até mesmo porque isso é perigoso. Querem ouvir o eco de sua própria voz. E atribuem ao eco o status de voz divina.

Jonas pensou que podia servir a Deus em Társis, ao invés de Nínive. O seu negócio era servir a Deus. Então, ele tentou fazer à sua maneira, não à maneira de Deus. Como comento em meu livro “Jonas, nosso contemporâneo”, segundo os rabinos, a razão principal pela qual Jonas foi para Társis não foi por ser o lado oposto a Nínive, mas ser um lugar onde a Palavra de Deus não se fazia ouvir (com base em exegese de Isaías 66.19). Quando um homem segue seus insights foge da voz de Deus. O profeta ouve a voz de Deus. O homem religioso segue seus insights. Outra grande tentação do pastor é ser um homem religioso, e não um profeta. Porque é possível cuidar de religião sem ouvir a voz de Deus. É menos problemático cuidar de religião. Não é de estranhar a dificuldade de tantos pastores com a Bíblia, a ponto de chamarem quem cita a Bíblia de fundamentalista. Nessa enquadraram Jesus, porque ele gostava muito de dizer “Está escrito”. Gerente tem mais margem de manobra em negócios que pastor. O gerente ouve o mercado e segue as técnicas modernas. O pastor deve se guiar por noções tidas como obsoletas. E parece que o gerente e a igreja-empresa estão mais cotados que o pastor e a igreja-igreja: arrastam mais gente e aparentam mais sucesso aos olhos humanos.

Mas perguntemo-nos: isto é mesmo igreja nos moldes bíblicos? O que estamos fazendo com a igreja e com o reino de Deus?

Pastores devem ouvir a Bíblia, submeter-se a ela, reger-se por ela. Gerentes amam e seguem técnicas e soluções como

“R$ 10.000,00 em caixa”. Mas gerentes descaracterizam a igreja e a transformam num negócio secular. Precisamos recuperar o sentido bíblico de igreja, bem como os princípios bíblicos para a vida da igreja. Também precisamos recuperar a visão bíblica do ministério, trazendo o pastor de volta ao molde pastoral do Novo Testamento, e não ao figurino do gerente moderno. Caso contrário, nós que já perdemos as duas últimas décadas discutindo métodos para recuperar nossa denominação, perderemos outras, discutindo métodos e técnicas. Estamos patinando e não nos damos conta disso! Estou cansado de modelos, gráficos e desenhos que, na minha limitação gerencial, nunca entendo! Há trinta anos vejo minha denominação, que muito amo, discutir técnicas e modelos. Será que ainda não deu para notar que não é por aí? Não dá para notar que precisamos deixar os bezerros de ouro da técnica, dos modelos, do institucionalismo, e reentronizar o Deus verdadeiro em nossas igrejas? Que os rebanhos precisam de pastores e não de gerentes? Que carecemos de vida mais que de estratégias?

Solução? Não tenho, mas ouso uma sugestão. Por que, ao invés de pedir às igrejas que orem pelo Brasil, no dia 15 de outubro, não pedimos às igrejas e aos batistas da CBB, que separem o dia para orar e jejuar pela denominação? Que tal priorizarmos a oração e a espiritualidade sobre técnica, modelos, planos e gestões? Parece-me que ver a igreja como empresa e tornar o pastor em gerente é o que mais temos feito nos últimos vinte anos e não saímos do lugar. Jejuemos e oremos assim, e quem sabe, voltaremos ao pastor-pastor e à igreja-igreja. Oremos por um avivamento que nos faça retornar à simplicidade que há em Cristo (1Co 11.3). Um avivamento que nos leve a confessar e chorar nossos erros, que afaste da liderança as pessoas erradas, que leve os pastores a amarem mais as igrejas que seus ministérios, que acabe com as carreiras solos e nos reconduza ao trabalho solidário. Um avivamento que acabe com o “eu” e traga o “nós” de volta.

Quanto a mim, quero ser pastor e não gerente. Quero cuidar de um rebanho, não de uma empresa. E reitero meu amor pela igreja de Jesus, pela minha denominação, e minha crença inabalável que precisamos retornar a um caminho abandonado.

“Não removas os antigos limites que teus pais fizeram” (Pv 22.28)ACF

Temos feito isto. E nos saído mal.

Pr Isaltino Gomes Coelho Filho

http://perolasdoevangelho.blogspot.com.br/

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