Abuso Espiritual
(John Mark)
Toda semana, como conselheiro espiritual, tenho conhecido algumas vítimas de abuso [praticado por alguns pregadores fanáticos]. Tentarei apresentar, aqui, um resumo, a fim de promover uma discussão sobre este problema que tem se tornado tão comum.
“Os homens nunca fazem o mal, tão completa e alegremente, como quando o fazem por convicção religiosa” (Blaise Pascal).
“Se a vocação divina não nos torna pessoas melhores, certamente nos tornará muito piores. De todos os homens maus, os religiosos são os piores” (C. S. Lewis, “Reflexões Sobre os Salmos”).
“Quanto mais esperto é o homem, mais motivo ele tem para fazer o mal” (Vovó Sophia, para o seu neto Allen, num episódio da TV CBS, no show “Brooklin Bridge").
“Pessoas feridas ferem pessoas” ( Provérbio antigo).
“A maior ameaça à igreja, hoje em dia, não vem de fora, mas de sua própria liderança interna” . (Phillip Keller, “A Shepherd Looks at Psalm 23").
“Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos”. (Jesus Cristo, em Mateus 23:8).
No filme, “Dormindo com o Inimigo”, a personagem de Julia Roberts é casada com um executivo controlador, tirano e poderoso. Como todo fariseu assumido, ele é obcecado por um desempenho detalhado. Exige que sua esposa pendure as tolhas de banho de modo impecável e que se comporte de modo irrepreensível em público. Quando ela comete qualquer falha nessas regras (ou leis), ele a castiga verbal, emocional e fisicamente. Seu poder abusivo sobre a esposa é virtualmente completo, tornando a sua vida insuportável.
Ela precisa se libertar dele. Divorciar-se está fora de questão. Ele é possessivo e poderoso demais para o consentir. Um dos dois precisa morrer, se ela quiser garantir a sua liberdade; por isso, ela forja a própria morte. Para completar o desempenho de sua “morte”, ela foge para outra cidade, a centenas de quilômetros, assumindo ali uma nova identidade. Com essa morte forjada, ela pretende se libertar de uma vida de tormentos (Ken Blue, p. 124).
Uma senhora que estava passando por dificuldades no casamento (mormente por ter sido abusada na infância pelo próprio pai) atendeu o telefone. Era o pastor da sua igreja, indagando por que ela não estava frequentando os cultos. Ela respondeu que estava tendo um problema com relação a encarar multidões. A resposta do pastor foi: “Deve ser porque você é individualista e não se interessa pelas pessoas”. Esta história verídica é uma forma de abuso espiritual e emocional. Esse pastor não tentou compreender, compassivamente, o problema da “ovelha” e, assim acabou recriminando-a, em vez de ajudá-la. Ele até poderia estar certo, mas demonstrou uma tremenda falta de sensibilidade e de sabedoria. Se ele tivesse sido mais compreensivo, provavelmente, teria visto essa “ovelha” de volta ao rebanho.
O abuso espiritual não é algo fácil de ser definido. Ele acontece, geralmente, nos seguintes casos:
* Quando um líder com autoridade espiritual usa esta autoridade para coagir, controlar ou explorar um membro de sua denominação, causando, assim, feridas espirituais. (Ken Blue, “Healing Spiritual Abuse”, p. 12).
* Quando uma ou mais pessoas forem feridas num relacionamento e essa ferida ou cicatriz possa afetar a sua relação com Deus, de modo a levar a pessoa a ter uma imagem distorcida de Deus e de si mesma.
* Quando uma pessoa é esvaziada, em vez de empossada espiritualmente - quando a sua relação, que deveria ser “segura” torna-se “insegura”. A pessoa que sofreu abuso torna-se dependente do abusador, o qual compartilha, sutil ou claramente, a mensagem de que os abusados não poderão sobreviver sem esse relacionamento.
* Quando uma pessoa com autoridade censura alguém por um problema, em vez de, empaticamente, agir no sentido da cura, nivelando o julgamento, onde o apoio é necessário, ou usando o poder para rebaixar o outro, a fim de gratificar a si mesmo.
* Quando um pastor, um líder ou outra figura com autoridade, que se considere dono da autoridade suprema, por causa do seu status, acha que sua palavra é definitiva e não deve ser contestada; esse líder tende a considerar os outros como “imaturos demais” para possuírem a verdade e (conforme o faziam os escribas e fariseus citados nas Escrituras), querem impor sua própria visão de que desobedecer esse líder seria exatamente como desobedecer a Deus; esse tipo de líder está sempre à frente de todas as decisões importantes da maioria das pessoas.
* Quando as pessoas suportam esse tipo de autoridade, mesmo sem concordar, e mesmo achando que isso não é correto. A pessoa ou pessoas submetidas ao sistema precisam esconder qualquer pensamento ou opinião contrários ao líder, ou líderes; o líder clara ou disfarçadamente, fica lembrando os outros da sua autoridade; a obediência e a submissão são pregadas como virtudes indispensáveis.
* Quando o líder é tomado por dúvidas indiscerníveis, sentindo-se inferior ou insignificante, compensando tais sentimentos com o poder que tenta exercer sobre os outros. Esse abusador pode ser um narcisista ou alguém obcecado pelo desejo de realizar grandes coisas para Deus.
* Quando uma igreja e seus líderes se tornam legalistas e, em vez de confirmarem as boas novas da graça, eles apresentam uma abundância de fórmulas [contrariando Gálatas 5:1], exigindo a frequência aos cultos, a entrega de dízimos, etc.
* Quando povo jovem idealista deseja um líder carismático a quem seguir, uma comunidade à qual se juntar ou apenas respostas às suas indagações complexas.
* Quando a vergonha é imposta porque uma pessoa dificilmente sente que o líder está exagerando.
* Quando uma congregação é censurada pela baixa frequência, por contribuir pouco, etc., distanciando-se do estilo defectivo da definida liderança do pastor.
* Quando uma pessoa, que não é curada após a oração, logo é classificada como tendo pouca fé. Em tais casos, a pessoa é duplamente vitimada, a fim de que o líder seja desculpado pela própria falta de fé.
* Esta agressiva tática, bem como outras táticas mundanas, são suadas, quando se trata da saúde ou da riqueza, a fim de que o ministro e suas crenças sejam apoiados.
* Quando não acontece uma fluência de comunicação dentro do grupo, o controle de conhecimento do líder é vital.
* Quando líderes possessivos apelam à “unidade”, a fim de se protegerem do escrutínio e da apreciação dos seus subordinados.
* Quando frequentar regularmente as reuniões é mais importante do que manter a unidade da vida em família.
* Quando as pessoas se sentem culpadas por criticarem o abuso de autoridade. Elas têm sido frequentemente admoestadas sobre a sua “lealdade” (alguns sistemas abusivos até exigem que os membros assinem uma declaração de lealdade). Muitas vezes essas pessoas desejam abandonar o sistema abusivo; porém, sentem-se aprisionadas - tendo uma provável chance de continuarem aprisionadas em futuras relações abusivas, a não ser que consigam ajuda.
Notas - O texto chave usado pelos abusadores é Hebreus 13:7, onde a palavra chave é “obedecer”. Ken Blue comenta: “A palavra no Novo Testamento para “obedecer” - “peithomai” - não se refere a uma coisa que possa ser exigida por direito ou imposta por decreto.” (p. 35)
Ken Blue anota sete sintomas da religião abusiva, usando a censura de Jesus contra os fariseus, conforme Mateus 23:
1. - Os líderes abusivos embasam a autoridade espiritual na sua posição ou ofício, em vez de no serviço do grupo. Seu estilo de liderança é autoritário.
2. - Muitas vezes, os líderes das igrejas abusivas dizem uma coisa e fazem outra. Suas palavras e ações jamais combinam.
3. - Eles manipulam as pessoas através do sentimento de culpa, por não crescerem na espiritualidade, colocando pesados fardos sobre os seus ombros, sem, jamais tentarem retirar esses fardos. Numa igreja abusiva, os fardos vão se tornando cada vez mais pesados.
4. - Os líderes abusivos se esforçam para aparentar bondade. Em geral, eles recusam qualquer crítica que possa colocá-los sob uma luz negativa.
5. - Eles buscam títulos honoríficos [pastor, profeta, apóstolo, etc.], promovendo um sistema de classe e se colocando no topo do mesmo.
6. - Sua comunicação não é direta. Seu discurso é especialmente vazio e confuso, quando tentam se defender.
7. - Eles se apegam a itens menos importantes, negligenciando os que são realmente importantes. Têm consciência dos detalhes religiosos, enquanto negligenciam as agendas mais importantes. (Blue, pp. 134-135).
Devemos ter a coragem de seguir o exemplo de Cristo e subverter o sistema, quer seja um casamento ou uma organização, se esse sistema estiver errado. Uma submissão silenciosa, face à violência, à desonestidade e ao abuso, sempre vai possibilitar que tal abuso continue nas gerações futuras (Aterbum & Felton, p.72).
* Nem todos os líderes fortes são abusivos; nem todos os fundamentalistas radicais são abusivos; talvez nem todos nós estejamos certos, nem todas as igrejas sejam letais e abusivas, nem todos os pregadores do “inferno de fogo” sejam adúlteros secretos (como aquele tele-evangelista americano que, na metade de uma série de sermões sobre a prostituta Raabe, saiu dali diretamente para visitar uma prostituta).
* Os líderes espirituais abusivos conseguem seguidores por serem, de certo modo, pessoas atraentes. Sua atração pode ser o seu compromisso com a obra de Deus e o sincero desejo de treinar discípulos maduros.... [Alguns desses líderes] não são deliberadamente abusivos (Blue, p. 97).
* Watchman Nee influenciou muitos cristãos com as suas visões sobre hierarquia, fileira e subordinação: “Uma vez que você reconheça não apenas o cabeça, mas também os que têm sido estabelecidos no corpo, a fim de representarem o cabeça, se tiver problemas com eles, também vai ter problemas com Deus” (The Body of Christ, N.Y. - Christian Fellowship Publishers, 1978, pp. 20-21)... “Insubordinação é rebelião e por isso, o que está sob autoridade deve responder diante de Deus” (Spiritual Authority, NY, Christian Fellowship Publishers, 1972, p. 71).
* Muitas vezes, nos casos de espiritualidade abusiva, os que se comportam “mundanamente”, são castigados (você pode nomear alguns?), mas não o materialismo, a ambição, a falta de amor, a injustiça, etc.
Existe mais dureza do que satisfação. Os líderes abusivos dizem: “lamento”, “Não entendo como posso ter feito isso”, “Não sei”, “Você tinha razão”, “Preciso de ajuda”.
Os líderes abusivos em geral insistem nos privilégios especiais, nas honrarias, nos títulos, nos graus honorários, etc., no sentido de se apoiarem na sua insegurança.
* Mark Twain disse, certa vez: “Um gato que se sentou sobre um forno quente, jamais se sentará, também num formo frio.”
As pessoas espiritualmente abusadas vão achar dificuldade em confiar nas figuras autoritárias, após sua experiência.
Então, Ken, o que, em suma, você está dizendo é que, “quando temos certeza de que estamos bem com Deus e com as outras pessoas, porque Deus nos faz sentir-nos bem, então ninguém poderá nos manipular e controlar, novamente. E quando um abusador percebe que ele também é amado e aceito por Deus, jamais vai precisar controlar pessoa alguma, novamente” .
Certo convidado a um programa de rádio conseguiu resumir num programa de três horas o assunto do abuso espiritual, com Ken Blue, afirmando que foi ajudado por alguns dos insights de Ken Blue...
Bibliografia:
“Healing Spiritual Abuse: How to Break Free from Bad Church Experiences', Illinois: Intervarsity Press, 1993; Philip Keller, 'Predators in our Pulpits' Eugene Ore: Harvest House, 1988; David Johnson & Jeff VanVonderen, 'The Subtle Power of Spiritual Abuse: Recognizing and Escaping Spiritual Manipulation and False Spiritual Authority Within the Church', Minnesota: Bethany House Publishers, 1991; Ronald Enroth, 'Churches That Abuse', Grand Rapids, Mich: Zondervan, 1992; and Stephen Arterburn and Jack Felton, 'Toxic Faith', Nashville: Oliver-Nelson Publishers, 1991.
© John Mark Ministries.
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Traduzido por Mary Schultze, em 06/09/2011.
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